Discriminação positiva – O programa de trainee do Magazine Luiza

28/10/2020

Nos últimos dias, o tema de discriminação positiva – expressão usada para designar as medidas afirmativas voltadas a grupos sociais vulneráveis – ganhou grande foco, tornando-se objeto de muita discussão nos mais diversos círculos sociais.

Tal debate foi reacendido devido à decisão de o Magazine Luiza criar um programa de trainee exclusivamente para negros, levantando discussões sobre a reparação histórica no mercado de trabalho.

Tais questões eventualmente alcançam o campo do Direito do Trabalho e levam à seguinte pergunta: como a legislação, em especial a trabalhista, lida com os casos de discriminação positiva?

Queremos que nossos leitores entendam o que é a discriminação positiva e se há suporte legal na postura adotada pelo Magazine Luiza. Também falaremos sobre como ações similares podem mitigar as desigualdades no mercado de trabalho. Quer saber mais sobre esse tema? Venha conosco!

O que é discriminação positiva?

Antes de tudo, é necessário pontuar que existe diferenciação no conceito de discriminação perante a Justiça. É possível separar o conceito em discriminação negativa e discriminação positiva. Embora haja similaridade nos nomes, as ideias por trás de ambos são completamente opostas.

A discriminação negativa, no âmbito das relações trabalhistas, corresponde à prática de condutas injustamente desqualificantes com base na raça, cor ou etnia do trabalhador. Tais práticas o humilham, constrangem e segregam, atingindo diretamente sua honra.

Já a discriminação positiva se refere ao conjunto de medidas afirmativas voltadas a um grupo considerado socialmente vulnerável, de forma a realizar uma reparação histórica e promover a justiça social.

Em suma, todas as medidas que busquem reverter o quadro histórico da desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso país podem ser consideradas atos de discriminação positiva.

Há leis que amparam legalmente a ação do Magazine Luiza? Quais são?

Atualmente, temos uma grande discussão no mercado de trabalho: é lícito restringir a participação em processo seletivo àqueles indivíduos pertencentes a minorias, sejam negros, deficientes fisicos, homossexuais, transexuais?

A empresa Magazine Luíza, com o intuito de fomentar a inclusão de minorias nos locais de trabalho, lançou um programa de trainee em que as vagas eram direcionadas a profissionais da raça negra, o que deixou as redes sociais em polvorosa. De um lado, estão os apoiadores. De outro, estão o que acham que a medida do Magazine Luíza tem cunho racista.

Não é novidade para ninguém que determinado grupo, em razão das condições socioeconômicas de sua família, tem mais facilidade para entrar no mercado de trabalho e na sociedade em geral em detrimento de outros. É evidente que um jovem profissional que frequentou as melhores escolas, estudou língua estrangeira, e fez cursos no exterior terá mais facilidade de emprego do que aquele que veio de escola pública e foi obrigado a ajudar no sustento da família desde cedo. Devido aessa desigualdade, o Direito nos trouxe o instituto denominado discriminação positiva.

A discriminação positiva tem como intuito trazer a chamada justiça social. Ela procura estabelecer o equilíbrio e as garantias para pessoas que, historicamente, se encontram em grupos excluídos pela sociedade. Tal instituto é o responsável por trazer as ações afirmativas, como a Lei de Cotas, o Estatuto do Deficiente e a prioridade de ingresso na universidade pública do estudante oriundo da escola pública. Todas essas regras têm o intuito de inserir na sociedade aqueles que são excluídos.

O Estatuto da Igualdade Racial, em seu art. 1°, VI, conceitua ação afirmativa como programas e medidas adotadas pelo Estado e/ou iniciativa privada para proporcionar igualdade de oportunidades e correção de desigualdades.

Outrossim, o art. 2° do mesmo Estatuto traz como dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades. Nesse sentido, não podemos nos esquivar da responsabilidade coletiva atribuída a todos: promover um ambiente onde as chances realmente alcancem um maior número possível de indivíduos, derrubando as barreiras sociais.

Como exemplo da constitucionalidade de ações afirmativas, trazemos o exemplo da Lei de Cotas. Após sua promulgação, foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Constitucionalidade n.º 41, que considera:

“Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N° 12.990/2014. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO 1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.”

No entanto, como fazer e implementar as ações afirmativas no âmbito da iniciativa privada? Obviamente, a mesma forma utilizada no âmbito público deve ser feita no âmbito privado. Para tanto, pois, alguns mecanismos são essenciais para atingir esse objeto. Assim, é necessário que se faça: a) contratação específica de trabalhadores oriundos da população negra; b) anúncios específicos; c) triagem específica via plataformas digitais, desde que fique expresso que tal iniciativa visa garantir a concretude do princípio da igualdade, tratando-se de uma ação afirmativa no âmbito da iniciativa privada.

Assim sendo, não se torna razoável e muito menos crível a alegação de que tais situações sejam consideradas crime de racismo. Isso porque o Direito serve justamente para tutela dos interesses coletivos, tendo como obrigação principal efetuar a promoção da igualdade material, e não somente formal. Até porque, se a igualdade formal fosse totalmente aplicada de matéria prática, não precisaríamos inflar nossa Constituição de emendas.

Portanto, fica clara a não existência de racismo em tais práticas, tendo um único objetivo que nos é trazido em nossa Carta Magna: todos são iguais em oportunidades.

Como ações similares podem mitigar as desigualdades no mercado de trabalho?

As ações do Magazine Luiza representam um grande avanço no combate à discriminação (negativa) racial ao conferir oportunidades em postos de liderança à população negra, que historicamente é minoria nesses cargos.

Caso outras empresas tomem medidas inclusivas similares, torna-se possível diminuir consideravelmente a desigualdade racial trazida por séculos de escravidão e segregação, fazendo uma efetiva reparação histórica em face da discriminação que sempre levou a maior parte da população negra a ser relegada aos cargos mais simples do mercado de trabalho, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e mais justa.

Com um número cada vez maior de empresas adotando medidas de discriminação positiva, torna-se possível reduzir o número de casos de assédio devido à origem, classe social ou etnia, contribuindo para uma melhoria nas relações trabalhistas.

Quando se trata de denunciar questões de discriminação racial no mercado de trabalho, contar com a ajuda de um advogado especialista em Direito do Trabalho é essencial para tirar suas dúvidas sobre o tema e garantir seus direitos.

A Gateno & Lucki é um escritório de advocacia com mais de 30 anos de experiência no mercado de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito do beneficiário do plano de saúde. Nossa missão é garantir seus direitos com máxima dedicação e transparência, por meio do atendimento de cada cliente, de forma única e personalizada.

Estamos sempre à disposição para apoiar e tirar suas dúvidas com problemas referentes ao Direito do Trabalho.

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Até a próxima!

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